| Cisne Negro | A dualidade entre a Luz e as Trevas sob a visão de Darren Aronofsky


Espelhos do Medo: Natalie Portman na performance de sua carreira

Cisne Negro é daqueles filmes que requerem uma segunda e talvez uma terceira visita, não apenas pela complexidade narrativa, mas pelo nível impressionante de detalhes que expõem a natureza e a personalidade da protagonista. A dualidade clássica entre a luz e as trevas é o ponto de foco central da narrativa, que acompanha a esforçada bailarina Nina Sayers.

Escolhida para o disputado papel principal na peça O Lago dos Cisnes, Nina deve satisfazer seu ambicioso diretor Thomas Leroy (Vincent Cassel, excelente) ao traduzir para a dança, a personalidade graciosa do Cisne Branco e, simultaneamente, a sensualidade do Cisne Negro.

O problema é que Nina não consegue dançar como o Cisne Negro. Ela é o Cisne Branco em sua fidelíssima incorporação física; a sensacional performance de Natalie Portman enfatiza tais características ao traçar a jovem como frágil, graciosa e, sempre que algo dá errado ou imprevisto, dando a impressão de que seria capaz de se desmoronar em lágrimas, o que provavelmente é fruto de sua vida quase infantil; os bichos de pelúcia em seu quarto, a atenção constante e super-protetora de sua mãe (Barbara Hershey). São muitos detalhes bárbaros que contribuem para que essa seja a melhor performance da carreira de Portman, que mostra-se também uma dançarina eficáz.

Todo esse primeiro ato sobre o Cisne Branco é simpático e agradável, em certos momentos parecendo até mesmo uma animação de princesas da Disney (sombria, claro), no entanto, o espectador nunca se esquece de que este é um filme de Darren Aronofsky. Exibindo uma visão sinistra e sua tradicional marca, é impactante ver o cineasta preparar o terreno para a destruição psicológica que vem a seguir, provocando seu habitual desconforto no espectador.

Through the Looking Glass


I am to become Death: Nina dança o Cisne Negro

Enquanto Nina é graciosa e virginal, a novata Lily (Mila Kunis, da série extinta That’ 70s Show) é exatamente o oposto: sensual, provocante e agressiva, características que ela apresenta tanto em seu modo de vida quanto no balé, o que a torna perfeita para o papel do Cisne Negro. O perfil da personagem é retratado com muito carisma e atenção por Kunis, que enfim mostra um papel forte e memorável, mostrando-se mais do que um rosto (muito) bonito.

É maravilhoso observar os elementos simbólicos. A transição de Nina para “o lado sombrio” pode se dar perfeitamente pelo plano em que a personagem veste uma blusa preta dada por Lily, mas sem remover a vestimenta branca que ela já vestia, o que claramente estereotipa que, mesmo entrando nesse estado sombrio, o conflito interno entre a luz e as trevas continua, manifestando-se pela brilhante fotografia de Matthew Libatique , que utiliza espelhos e reflexos de forma genial; seja como contribuição dramática para a busca pela perfeição de Nina (em certos planos, é possível acompanhar a ação e a reação de personagens diferentes, graças ao espelho) ou a já mencionada dualidade…

O contraste entre preto e branco não é esquecido nem mesmo na polêmica cena de sexo entre as protagonistas; Nina usa roupas íntimas brancas, enquanto Lily traja preto. Mesmo questionando a existência de tal ato (acredite, realidade e imaginação se confundem excessivamente ao longo do filme) é importante na transformação assustadora de Nina, que ainda conta com alucinações, maquiagens, efeitos sonoros perturbadores e um uso magnífico de efeitos visuais (a pena que sai de suas costas no trailer é apenas a ponta do iceberg…) que resultam numa criação assustadora e uma dança final inesquecível.

Confundindo o espectador com níveis de realidade e alucinações, Cisne Negro é um retrato único da dualidade bem e mal através da direção onírica e sinistra de Darren Aronofsky, que entrega uma visão bizarra do mundo do balé e uma performance inesquecível de Natalie Portman.

Leia esta crítica em inglês (english)

3 Respostas to “| Cisne Negro | A dualidade entre a Luz e as Trevas sob a visão de Darren Aronofsky”

  1. Excelente crítica! Você tem meu voto para entrar na SBBC. Boa sorte.

  2. […] Um dos melhores filmes lançados no Brasil em 2011, Cisne Negro é uma envolvente e perturbadora obra de arte, que apresenta uma trama psicológicamente intensa e uma excepcional performance de Natalie Portman, premiada com o Oscar por seu trabalho aqui. Darren Aronofsky continua provando que é um ótimo diretor e tem um talento único de contar histórias. Crítica […]

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