Archive for the Indicados ao Oscar Category

| Clube de Compras Dallas | Matthew McConaughey é o novo rei do mundo

Posted in Cinema, Críticas de 2014, Drama, Indicados ao Oscar with tags , , , , , , , , , , , , , , , on 23 de fevereiro de 2014 by Lucas Nascimento

3.5

DallasBuyersClub

A incrível transformação de Matthew McConaughey

Há uns 10 anos atrás, nunca pensaríamos em Matthew McConaughey como um profissional a ser levado a sério. Protagonista de inúmeras comédias românticas encharcadas de clichês e filmes de ação de qualidade duvidosa (quem lembra de Sahara, hein?), o ator repentinamente deu início a uma série de performances eficientes em ótimas produções (incluindo também a excelente série True Detective), culminando em sua primeira indicação ao Oscar com Clube de Compras Dallas; um bom filme, mas cujo mérito reside na força de seu protagonisga

A trama é inspirada na vida real de Ron Woodroof, um eletricista que descobre ter contraído o vírus da AIDS em 1985, período em que a doença ainda era lidada com preconceitos e métodos pouco eficientes. Tendo os dias contados, Woodroof acaba experimentando medicamentos ilegais nos EUA e, notando resultados superiores aos obtidos pelo tratamento convencional, inicia uma organização a fim de tratar pacientes com AIDS pelo uso de drogas clandestinas.

Dirigido com firmeza pelo canadense Jean Marc-Vallée, Clube de Compras Dallas claramente não traz um tema fácil. A AIDS até hoje permanece uma questão delicada, e o roteiro da black-list (seleção dos melhores roteiros não produzidos) assinado por Craig Borten e Melisa Wallack acertadamente traz críticas a respeito da burocracia governamental da época, o despreparo do sistema médico, a homofobia e o preconceito – temas distintos amarrados através de diálogos eficientes e até mesmo um senso de humor bem colocado. O elemento inesperado surge da curiosa relação entre o protagonista e a travesti Rayon, vivido com maestria pelo favorito ao Oscar Jared Leto: Woodroof é machista e homofóbico, enquanto Leto faz do personagem transexual uma figura energética, divertida e trágica, impressionando também por sua pesada caracterização.

Mas em termos de performance e caracterização, é mesmo Matthew McConaughey quem toma o show para si. Com uma perda de peso visível e chocante, o ator mergulha fundo na pele de Ron Woodroof e consolida de vez sua nova fase como ator dramático. Seja nas diferentes relações com Leto, Jennifer Garner ou o policial vivido por Steve Zahn, McConaughey segura o filme até mesmo quando este perde o fôlego; algo que acontece quando a projeção atinge sua meia hora final, que se desenrola de forma lenta e que certamente fluiria melhor caso os montadores Martin Pensa e o diretor Vallée chegassem direto ao ponto – algo que realizam tão bem ao cobrir as passagens de tempo nas sequências em que Woodroof obtém e distribui as drogas experimentais.

Ao fim, Clube de Compras Dallas é uma história cativante sobre um sujeito interessante, sendo favorecida pelas esforçadas performances de seu elenco principal. O resultado seria melhor com alguns minutos a menos, mas felizmente Matthew McConaughey é bem sucedido ao carregar o filme todo nas costas.

| Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum | Saga folk dos irmãos Coen acerta em cheio

Posted in Cinema, Comédia, Críticas de 2014, Drama, Indicados ao Oscar, Musical with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , , on 22 de fevereiro de 2014 by Lucas Nascimento

4.5

InsideLLDavis
Oscar Isaac e seu gato sem nome

Os irmãos Joel e Ethan Coen (quem não os conhece, faz favor) costumam dizer que “já existem muitos filmes sobre o sucesso”, como a justificativa para apostarem em tantas histórias com personagens e desfechos… Pouco convencionais, sem a esperança de um final feliz. Mas os Coen não são derrotistas ferozes, nunca deixando de lado seu humor negro característico (presente até mesmo no sombrio Onde os Fracos Não Têm Vez, e a saga folk Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum revela-se mais uma eficiente adição à carreira peculiar dos dois mestres.

A trama é centrada no músico fictício Llewyn Davis (Oscar Isaac), que encontra-se em sua pior fase após o suicídio de seu parceiro. Vagando pelas ruas da Greenwhich Village dos anos 60 (ponto de partida de figuras como Bob Dylan e Dave Von Ronk, que serviu de inspiração para a criação do protagonista), acompanhamos Davis dormindo na casa de amigos e aceitando qualquer tipo de bico pela cidade a fim de receber alguns trocados e alcançar o almejado sucesso profissional.

Basicamente é isso, como o título sugere: um olhar por dentro de Llewyn Davis, sem uma trama definida especificamente. A decisão estrutural possibilita que os Coen teçam diversas situações isoladas e que surgem diferentes a seu modo, seja no completo nonsense (no melhor sentido da palavra) ao apostar no road movie com os estranhos personagens de John Goodman e Garrett Hedlund ou na subtrama que envolve o carismático gato (sem exageros, que animalzinho talentoso) encontrado pelo protagonista – que possibilita um sutil paralelo não só com o próprio Davis, mas também – vejam só – com A Odisseia de Homero e Bonequinha de Luxo. Outro elemento fundamental é a ciclicidade da narrativa, que oferece início e fim praticamente idênticos, deixando claro que a situação de Davis não só é preocupante; mas permanente.

O personagem sofre, até mesmo as paredes do corredor parecem dispostas a achatá-lo (excepcional decisão do designer de produção Jess Gonchor) e a fotografia sobrenatural de Bruno Delbonnel nos situa em mundo frio, dominado por tons cinzas e paletas de cor frias – além de seu toque característico que é favorecido pelo uso da escuridão de bares ou uma onírica rodovia. Ainda assim, é impossível não se divertir com Inside Llewyn Davis. Não só pelas figuras excêntricas descritas acima, mas também pelas canções produzidas originalmente por T-Bone Burrett para o longa. Vale apontar as performances de “Hang Me, Oh Hang Me”, “The Death of Queen Jane” e o uso genial de “Fare Thee Well” para a sequência que apresenta o cotidiano de Llewyn. Seria uma heresia deixar de citar a divertidíssima “Please Mr. Kennedy”, canção com uma letra hilária que traz as vozes de Oscar Isaac, Justin Timberlake e Adam Driver (da série Girls).

Servindo como um curioso estudo de personagem que leva seu objeto do nada ao nada, Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum é uma experiência única, proporcionada por duas das maiores mentes do cinema contemporâneo. Seja em sua maestria técnica, narrativa ou em sua vibrante trilha sonora folk, o filme é tragicômico no melhor sentido da palavra. E sua ausência em grandes categorias do Oscar é crueldade.

Obs: reparem na “participação especial” que se destaca nos últimos momentos do filme…

Obs II: Quando a tradução é ruim eu detono, mas preciso reconhecer quando as distribuidoras fazem um bom trabalho. O subtítulo do filme é acertadíssimo, parabéns.

| Nebraska | A divertida jornada pela fradulenta auto-satisfação

Posted in Cinema, Comédia, Críticas de 2014, Drama, Indicados ao Oscar with tags , , , , , , , , , , , , , , , , on 13 de fevereiro de 2014 by Lucas Nascimento

4.0

Nebraska
Bruce Dern é Woody Grant

Depois de um desmistificador olhar sobre a sociedade havaiana em Os Descendentes (que lhe rendeu um Oscar como corroteirista), o diretor Alexander Payne retorna com uma saudável mistura entre o humor e o drama com Nebraska, sucesso do Festival de Cannes que traz Payne e um talentoso time de volta à cerimônia da Academia deste ano.

A trama se concentra no idoso Woody Grant (Bruce Dern), que acredita ter ganhado 1 milhão de dólares em um sorteio e acaba por ficar obcecado em reclamar seu prêmio. Certo de que é apenas um golpe publicitário, seu filho David (Will Forte) promete levar o pai até o estado de Nebraska a fim de lhe garantir uma espécie de satisfação.

Em sua estreia como roteirista de cinema, Bob Nelson elabora uma narrativa muito simples e concentrada nas diferentes situações que ocorrem no caminho da jornada para Nebraska. O mais significativo deles, é certamente a visita de Woody, David e Kate (esposa do protagonista, vivida pela excelente June Squibb) à cidade natal do casal, onde acabam por encontrar parentes e colegas dos velhos tempos. Nelson acerta ao proporcionar os diálogos mais desinteressantes da face da Terra (especialmente aqueles entre a pacata família Grant), e Payne o segue com inteligência ao apostar em um ritmo lentíssimo e sem muitos cortes em tais cenas – mesmo que ocasionalmente maçante, é essencial para a criação de humor do filme. O diretor também agrada ao trazer planos divertidíssimos (como aquele em que dois sujeitos mascarados preparam-se para um ataque inesperado) e que funcionam com o timing de seu elenco – mesmo que completamente unidimensionais, é impossível não rir com os irmãos interpretados por Tim Driscoll e Devin Ratray.

Por outro lado, é interessante a decisão de Alexander Payne em rodar o filme em preto-e-branco, já que esta confere melancolia à saga de Woody Grant. Mesmo que pontualmente engraçado, o personagem do ótimo Bruce Dern é uma figura trágica (alcoólotra, solitário e ingênuo demais), e o veterano ator é eficaz ao dominar um andar manco e devagar; assim como expressões confusas e uma falha audição. E o diretor de fotografia Phedon Papamichael captura com seu inteligente jogo de luzes e sombras o tom apropriado para o longa, fazendo desejar que a Academia voltasse a dividir a categoria entre colorida e preto-e-branco, dada a incrível beleza das imagens capturadas. Além disso, a trilha sonora de Mark Orton contribui ao trazer uma curiosa mistura entre noir e country.

Novamente sobre Payne, devo apontar uma cena específica que traz uma mise em scène fabulosa e absolutamente simples, que comprova seu talento absoluto como cineasta de forma sutil. Logo após os dois filhos (Forte e Bob Odenkirk, da série Breaking Bad e a vindoura Better Call Saul) saírem do carro, Woody fica no banco de trás e sua esposa atrás do volante. Ao retornarem, não há outra decisão estética a não ser colocar Forte ao lado de Woody e Odenkirk ao lado da mãe, o que revela muito sobre seus personagens – e a qual dos pais cada um dos irmãos confere mais afeto. Um exemplo que revela um Payne mais contido, mas nem por isso menos eficiente.

No fim, é interessante observar Nebraska como uma obra sobre a auto-satisfação, mesmo que seja pautada em mentiras. Seja no suposto prêmio do protagonista, que logo desperta interesses alheios, ou em diversos momentos do último ato, o filme de Alexander Payne acerta ao analisar essa temática de forma bem-humorada e até tocante. Mas se a satisfação dos personagens aqui é pautada em elementos fraudulentos, a do espectador diante do filme é verdadeiramente genuína.

| Ela | E assim caminha a Humanidade?

Posted in Cinema, Críticas de 2014, Drama, Indicados ao Oscar, Romance with tags , , , , , , , , , , , , , , on 9 de fevereiro de 2014 by Lucas Nascimento

4.0

Her
Joaquin Phoenix apaixonado por Ela

Constantemente encontro-me assustado com o nível de dependência humana em aparelhos tecnológicos. Seja através de smartphones, Facebooks e WhatsApps, grande parcela da população mantém relações intensas com estes (e eu, infelizmente, não posso ser hipócrita ao me excluir desse vasto grupo), elementos que certamente alteraram o futuro da Humanidade. O que nos leva à Ela, novo filme de Spike Jonze que explora com maestria as relações humanas em uma sociedade distópica não muito distante.

A trama é ambientada num futuro próximo, onde encontramos o solitário Theodore Twombly (Joaquin Phoenix), um escritor de cartas lidando com o divórcio com sua amada (Rooney Mara), que acaba de adquirir um revolucionário sistema operacional com consciência inteligente (voz de Scarlett Johansson). À medida em que a relação dos dois cresce, Theodore encontra-se apaixonado pelo sistema do computador, e lida com as consequências de seus sentimentos.

Mesmo que eu tenha puxado a discussão a respeito dos excessos tecnológicos no primeiro parágrafo, este é um mero pretexto para que Spike Jonze se concentre em um tema mais abrangente e complexo: o Amor. Também roteirista do projeto, Jonze já merece créditos por tecer uma premissa absolutamente genial e que, por si só, já é suficiente para despertar uma série de discussões sociológicas e humanas. Nessa Los Angeles futurista – que é magistralmente criada a partir de um design de produção sutil e moderno o suficiente para não parecer tão avançado, mas também não tão atual – companhias são contratadas para escreverem cartas pessoais para outras pessoas, a internet está constantemente em nossos bolsos e ouvidos e a população atingiu um crescimento assombroso. Não parece um futuro tão implausível, não é?

Entra o adorável sistema operacional Samantha. Uma criação humana tão complexa e avançada que esta seria capaz de sentir sentimentos, do amor até o ciúmes. Como seria possível uma relação consensual entre um ser humano e um computador? Se até mesmo uma relação entre duas pessoas do mesmo sexo é furiosamente condenada pelo senso comum, o que dirá sobre aquela com uma máquina? Insanidade? Diz em certo momento a amiga de Theodore, Amy (vivida por uma ótima Amy Adams) que qualquer um apaixonado estaria louco, que “o amor é uma forma de insanidade socialmente aceita”. O que nos fica claro em Ela, é que o sentimento pode ser real e puro, independente do parceiro: o próprio Theodore transforma-se e sai rodopiando de felicidade pelas ruas à medida em que vai se aproximando à Samantha – em uma das mais diferentes e honestas performances de Joaquin Phoenix.

Em um de seus momentos mais inspirados, Samantha demonstra a necessidade do contato físico com Theodore, o que leva a uma estranha e absolutamente criativa experiência com um “avatar” (vivido por Portia Doubleday, do novo Carrie). Uma ideia fascinante, já que, se um humano é capaz de ter uma representação virtual na internet, por que não um computador no mundo real? E diversos momentos de Ela nos fazem excluir a ideia de uma representação física: quando um colega de trabalho convida Theodore para um double date, este pede para que leve sua namorada Samantha. “Ela é um sistema operacional”, retruca o protagonista. E mais belo do que a reação completamente sem preconceitos do colega (soa como se Theodore tivesse simplesmente dito que Samantha era uma professora, advogada, ou coisa do tipo), é o tal encontro, onde fica evidente que o sistema operacional é, de fato, real.

Durante suas duas horas de duração, Ela traz conceitos fascinantes e o poder de despertar as mais variadas discussões envoltas em sua narrativa. Seja na presença onipresente de tecnologia ou em sua abordagem moderna e inovadora sobre o Amor, o filme de Spike Jonze é uma obra importante, pontualmente divertida e sensível, que merece múltiplas visitas e análises mais profundas do que uma mera crítica cinematográfica.

Obs: Esta crítica foi escrita após a pré-estreia do filme em São Paulo, em 8 de Fevereiro.

| 12 Anos de Escravidão | Steve McQueen coloca a escravidão sob lentes viscerais

Posted in Cinema, Críticas de 2014, Drama, Indicados ao Oscar with tags , , , , , , , , , , , , , , , on 7 de fevereiro de 2014 by Lucas Nascimento

4.5

12YearsaSlave
Michael Fassbender ameaça Chiwetel Ejifor: tensão interminável

A escravidão é uma das mais profundas e vergonhosas feridas que os EUA trazem em sua História. No cinema, é possível encontrarmos o sombrio período do século XIX de forma alentadora, que de certa forma idealize a luta de homens brancos para lhes garantir liberdade (como Lincoln, de Steven Spielberg) ou versões satíricas como Django Livre, de Quentin Tarantino. Agora, filmes como 12 Anos de Escravidão não aparecem todo ano. Brutal, violento e provavelmente acertado em sua apuração histórica, o filme de Steve McQueen pega o gênero e lhe oferece uma visão devastadora e – infelizmente – verdadeira.

Baseada na experiência real relatada no livro de Solomon Northup (vivido aqui por Chiwetel Ejifor), o roteiro de John Ridley explora como um homem negro e livre foi sequestrado em Washington e vendido para a escravidão ilegalmente no sul dos EUA. Durante 12 anos, Northup sofreu nas mãos de fazendeiros cruéis e lutou por sua sobrevivência.

Se até hoje você não conhece o nome de Steve McQueen (sem contar o famoso ator, claro), está na hora de fazer aquela visita básica ao IMDB. O diretor britânico entrega seu terceiro trabalho com 12 Anos de Escravidão, após os ótimos Hunger e Shame, duas produções que compartilham histórias humanas trágicas, trabalho visual apurado e um Michael Fassbender surtado (aqui, dando medo na pele do violento fazendeiro Edwin Epps). A partir do excelente roteiro de Ridley, McQueen não se acanha ao apostar em cenas que relatam a violência brutal a que eram submetidos os escravos de plantações: seja nos temerosos açoitamentos (um plano sequência que rende a cena mais intensa do filme), agressões verbais ou “mero” desprezo por sua dignidade – todos estes surgindo ainda mais aterradores em cena graças à trilha sonora de Hans Zimmer, que revela uma nova faceta de suas habilidades como compositor.

Mas talvez o que mais chame a atenção no projeto seja seu protagonista forte e incomum para o gênero: o Solomon Northup de Chiwetel Ejifor não é um sujeito nascido escravo, e sim um homem livre com todos os benefícios e gozos de alguém de sua posição que, inesperadamente, encontra-se na situação de total submissão. Essa característica rende alguns dos melhores momentos do longa, quando o excelente Ejifor questiona as ordens de seus mestre e oferece respostas grosseiras para julgamentos injustos (“Fiz o que me foi instruído. Se deu errado, o problema é com a sua instrução”, solta para o desprezível personagem de Paul Dano). O ator surge completamente perdido no personagem, seu desejo de sobrevivência evidente a cada frame; o que de certa forma se manifesta de forma derrotista na trágica Patsey de Lupita Nyong’o, escrava predileta de Epps que tem pouco tempo em cena, mas vale cada segundo de sua esforçada performance.

Vale apontar também as “participações de luxo” que o filme traz. Temos Paul Giamatti como um negociante de escravos, Benedict Cumberbatch como um dos únicos sujeitos decentes de toda a projeção, a jovem Quvenzhané Wallis (protagonista de Indomável Sonhadora) como uma das filhas de Solomon e o produtor Brad Pitt encarnando um sujeito de ares “proféticos” que desempenha importantíssimo papel aqui.

Excepcional também em seus valores de produção, 12 Anos de Escravidão é uma experiência difícil e pesada. Corajosamente pega um dos gêneros mais delicados do cinema norte-americano e oferece um tratamento visceral e que certamente será lembrado por anos, não só por sua brutalidade, mas também pela força de seu impecável protagonista e o emocionante desfecho de sua dura jornada.

Obs: Esta crítica foi publicada após a pré-estreia do filme em São Paulo, em 6 de Fevereiro,

| Philomena | Um belo filme com inesperadas reflexões

Posted in Cinema, Críticas de 2014, Drama, Indicados ao Oscar with tags , , , , , , , , , , , , , on 27 de janeiro de 2014 by Lucas Nascimento

3.5

philomena
Judi Dench e Steve Coogan: alicerces da produção

Surgindo como uma surpresa na temporada de premiações, o drama Philomena revela-se um delicado e ocasionalmente divertido filme assinado pelo britânico Stephen Frears (de Alta Fidelidade e A Rainha), ainda que sua premissa cave por temas dramáticos e controversos – rendendo uma série de reflexões inesperadas no processo.

A trama é inspirada nos acontecimentos reais que moveram a vida de Philomena Lee (Judi Dench), que há 50 anos vive sem notícias de seu filho bastardo – que surgira como consequência de uma escapada de seu convento católico, na década de 50. Ao mesmo tempo, o jornalista recém-desempregado Martin Sixmith (Steve Coogan) vê na história de Philomena a oportunidade de impulsionar sua carreira de escritor, e parte para ajudá-la a encontrar o filho perdido.

Philomena começa com a típica mistura de drama com comédia, sendo beneficiado apenas por seu roteiro esperto – assinado por Jeff Pope e pelo ator Steve Coogan – e o excelente entrosamento entre as duas performances centrais. Coogan mantém sua áurea cômica de forma bem sutil aqui, e a dosa bem com o ceticismo cínico de seu jornalista, enquanto Judi Dench surge absolutamente adorável na pele da personagem-título. Com as rugas e linhas de expressão a fim de torná-las parte fundamental de Philomena, a atriz de 80 anos arrasa ao adotar um acertado sotaque irlandês (que jamais soa estereotipado ou inverossímil) e se comportar sempre de maneira alegre, elogiosa e surpresa (como sua reação ao descobrir que as bebidas servidas no avião são grátis). Dench nos faz acreditar na figura da personagem, e certamente ela fará o espectador recordar de alguém que compartilhe de seu comportamento.

Ainda que o elenco e os diálogos sejam os dois atrativos de peso, o filme ainda se beneficia de quesitos técnicos fascinantes. A começar pela belíssima fotografia de Robbie Ryan, que captura fantásticas paisagens rurais e urbanas, seja nas ambientações rurais européias (as acabrunhadas árvores cobertas de neve em um momento-chave) ou nos hotéis e ruas de uma calma Washington. A trilha sonora de Alexandre Desplat confere energia e drama de acordo com as exigências narrativas (mesmo que o compositor pese demais nas passagens mais melancólicas), que trazem uma inesperada discussão a respeito de crenças religiosas e uma reviravolta final que coloca em discussão as práticas medievais de conventos católicos do século passado. Nada muito aprofundado, mas que ao menos desperta uma reflexão.

Mesmo que, aqui e ali, Frears pese a mão para arrancar algumas lágrimas, Philomena é um belo filme que encontra sustento em suas carismáticas performances centrais e o tratamento simples a temas delicados e complexos. Não é uma grande obra que será lembrada durante anos e anos, mas sem dúvidas rende um bom programa.

Obs: Esta crítica foi publicada após a pré-estreia do filme em São Paulo, em 26 de Janeiro.

| Trapaça | Dream team de David O. Russell salva a brincadeira

Posted in Cinema, Comédia, Críticas de 2014, Drama, Indicados ao Oscar with tags , , , , , , , , , , , , , on 19 de janeiro de 2014 by Lucas Nascimento

3.5

AmericanHustle
Amy Adams, Bradley Cooper, Jeremy Renner (o esquecido), Christian Bale e Jennifer Lawrence

O cinema do diretor David O. Russell vem se tornando muito popular nos últimos anos, especialmente com a aclamada trinca formada por O Vencedor, O Lado Bom da Vida e com o novo Trapaça. Reunindo o melhor dos dois mundos, Russell mesclou os elencos de seus dois últimos trabalhos a fim de conseguir um invejável dream team de atores estelares e, no fim, tudo se resume a isso: as boas performances que carregam o filme todo.

Assinado por Russell e Eric Singer (em seu segundo trabalho no cinema, após Trama Internacional), o roteiro de Trapaça alerta em seus segundos iniciais que “até que alguns dos eventos aconteceram mesmo”, nos apresentando então aos golpistas Irvin Rosenfeld (Christian Bale) e sua amante Sydney Prosser (Amy Adams). O casal segue aplicando golpes internacionais bem-sucedidos até serem interceptados pelo agente do FBI Richie DiMasio (Bradley Cooper), que os obriga a colaborar em um grande esquema envolvendo a exposição de políticos corruptos em troca de sua liberdade.

Uma premissa muito apetitosa, mas que rende um resultado um tanto quanto bipolar. Algo que, curiosamente, se justifica pela aliança dos dois roteiristas: Singer, saído do labiríntico Trama Internacional, certamente foi o responsável por preencher a trama com os conflitos internos e toda a porção envolvendo as operações/golpes exercidos pelos personagens, enquanto Russell inubitavelmente deve ter dado maiores contribuições nos confrontos pessoais (o ponto alto da narrativa) entre os mesmos. O problema é que a dupla insiste em dar voltas e voltas dentro dos esquemas planejados, apostando em narrações em voice over absolutamente descartáveis e que afastam o espectador da trama – quando deveriam fazer justamente o oposto.

Não pude deixar de perceber também a influência da escola de cinema de Martin Scorsese aqui, mas que nem de longe alcançam o feito do diretor de Os Bons Companheiros e do recente O Lobo de Wall Street (agora entendi porque classificaram Russell como “Scorsese Light” nos EUA, um título muito apropriado), falhando ao trazer pequenas digressões temporais que explicitam certos eventos de forma cômica (mas sem timing, como fica explícito na sequência que envolve o personagem de Cooper agredindo um superior) ou nas já mencionadas narrações em off.

As 2 horas de projeção se arrastam, e devemos agradecer à excelente trilha sonora incidental e o entrosamento do elenco pelo resultado decente.

Até Russell saliva com o talento reunido, já que seus planos surgem predominantemente fechados a fim de se concentrar nos atores (sem muitas tomadas abertas, de cenários, etc) e com movimentos de câmera que circulem entre estes à vontade. A surpresa aqui fica por conta de Bradley Cooper (especialmente após sua indicação-surpresa ao Oscar deste ano), que surge muito carismático como o explosivo agente do FBI, provavelmente meu preferido do elenco. Amy Adams está completamente deslumbrante com o decote mais hipnótico da década e um acertado sotaque britânico, enquanto Christian Bale oferece uma caracterização forte e relaxada (reparem em seu tom de voz baixo). Já a queridinha Jennifer Lawrence toma para si todas as (poucas) cenas em que aparece, divertindo na pele de uma dona-de-casa carregada de sotaque de Nova Jersey. E não me esqueço de Jeremy Renner, que agrada como o político bem apessoado Carmine Polito. Todos dignos de reconhecimento.

No fundo, Trapaça surge mais como uma boa oportunidade de reunir um grande elenco do que uma experiência narrativa concreta, falhando na agridoce elaboração de seu roteiro. Aqui e ali David O. Russell tenta brincar de Scorsese, mas seu grande mérito reside na liberdade que fornece a seu espetacular dream team.

Obs: Um ator MUITO famoso tem uma participação divertida (e digna de sua carreira) em meados da projeção.

Obs II: Esta crítica foi escrita após a pré-estreia do filme em São Paulo, em 18 de Janeiro.

| O Lobo de Wall Street | Uma frenética tragédia grega de finanças

Posted in Cinema, Comédia, Críticas de 2014, Drama, Indicados ao Oscar with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , on 12 de janeiro de 2014 by Lucas Nascimento

5.0

TheWolfofWallStreet
Leonardo DiCaprio é Jordan Belfort: Oscar é pleonasmo

Eu adoro Ilha do Medo. E acho A Invenção de Hugo Cabret um filme adorável. Mas é com O Lobo de Wall Street que Martin Scorsese tem a oportunidade de fazer (novamente) aquilo que faz como ninguém: histórias sobre sujeitos do outro lado da lei, almas sórdidas cuja conduta irreversível atropela todos os valores éticos, morais e até vidas humanas em sua trajetória brutal – e que, ainda com todas as características repelentes, certamente vão conquistar o público e fazê-lo (de certa forma) ficar ao seu lado, mesmo quando o fundo do poço transforma-se no desfecho inevitável.

A trama é inspirada na vida real de Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio), um implacável corretor da bolsa de valores que rapidamente foi construindo sua reputação em Wall Street na década de 80. Sua estratégia rendeu milhões graças a sua série de mentiras a que submetia compradores de ações mais baratas, para depois iniciar uma grande empresa que se manteu sob mesmo modus operandi, visando agora os grandes investidores. O roteiro de Terence Winter aborda também sua vida pessoal e as complicações com o FBI que Belfort enfrentou.

Em muitos aspectos, O Lobo de Wall Street se assemelha muito a um dos melhores filmes da carreira de Martin Scorsese: Os Bons Companheiros. Não só pelo fato de termos duas histórias reais sobre sujeitos que ascenderam em suas carreiras ilegais (para depois, sucumbirem em suas próprias ambições estratosféricas), mas pela forma com que seu magistral diretor as contou. Scorsese utiliza de diversos recursos visuais fascinantes, seja a colagem de diversos vídeos promocionais dentro da história, narrações em off (e até uma curiosa “conversa telepática” entre dois personagens) seus famosos planos-sequência (aqui, rende a sequência mais intensa da projeção), a quebra da 4a parede para inteligentemente aproximar o espectador do protagonista (“Vocês não estão entendendo nada disso né? Resumindo, tudo isso era ilegal”, diz Belfort diretamente para a câmera após exemplificar diversos termos específicos da Economia) ou até mesmo alterações na razão de aspecto da tela. Muitos créditos também para a excepcional montadora Thelma Schoonmaker, que profere velocidade e um ritmo alucinado à projeção, mesmo com suas extensas 3 horas.

WolfStreet
A cena mais insana do ano

É de se impressionar também com a presença do humor (politicamente incorreto em sua mais pura forma, claro) presente aqui. Mais conhecido por seu trabalho em séries como Família Soprano e Boardwalk Empire, o roteirista Terence Winter tece diversos diálogos inteligentes e bem contextualizados na insanidade do mundo das ações de Wall Street. Seja no importantíssimo diálogo com o personagem de Mark Hanna (Matthew McCoughney, em participação breve mas memorável) ou no sutil duelo de segundas intenções travado por DiCaprio e o agente do FBI vivido por Kyle Chandler (que pelo visto, se contentou em fazer exatamente o mesmo papel em todos os seus trabalhos em Hollywood) em um barco, que vai ficando mais envolvente (e divertido) à medida em que os dois vão compreendendo suas intenções. Winter também aposta em diversas cenas que não escondem o vício em drogas e as luxuriosas orgias do protagonista  e mesmo que (diversas vezes) o efeito seja cômico, é impossível não ter a noção de que Jordan está cada vez mais próximo de sua autodestruição.

E então chegamos à performance central de Leonardo DiCaprio. Uma que, não fosse tão bem sucedida, resultaria na perda de identificação entre o filme e o espectador e eu aqui agradeço mais uma vez pela gloriosa parceria entre o ator e Scorsese. Na pele do irremediável Lobo, o intenso DiCaprio alcança aqui um dos trabalhos mais memoráveis de sua esforçada carreira, demonstrando incríveis habilidades como ator, dançarino e… ginasta – aguardem só pela cena em que DiCaprio e o colega Jonah Hill (que nem parece Jonah Hill, de tão perdido dentro de seu comicamente perturbado Donnie Azoff) sofrem os efeitos de uma droga rara; duvido que haverá cena mais insana do que esta em 2014. De tão bom que está, um (merecido) Oscar para DiCaprio seria um mero pleonasmo.

Com o mais inspirado uso de trilha sonora incidental em sua carreira em anos, O Lobo de Wall Street é uma frenética e implacável tragédia grega do mundo das finanças. Pode muito bem ser considerado o Bons Companheiros do gênero, mais uma fantástica adição para a carreira de Martin Scorsese. E mesmo que alguns tenham a equivocada visão de que o longa glorifica as ações repreensíveis de seu protagonista, basta observar com atenção a última tomada do filme (selecione para ler) – onde a câmera de Scorsese aponta para as reais vítimas da história.

Um trabalho de mestre. Obrigado, Scorsese. Obrigado, Leo.

Obs: O verdadeiro Jordan Belfort tem uma breve participação na última cena do filme.

Obs II: Esta crítica foi escrita após a pré-estreia do filme em São Paulo, em 11 de Janeiro.

English Version

| Álbum de Família | Um fascinante duelo verbal e de atuações

Posted in Cinema, Comédia, Críticas de 2013, Drama, Indicados ao Oscar with tags , , , , , , , , , , , , , , , , on 27 de dezembro de 2013 by Lucas Nascimento

3.5

Osage
Meryl Streep e Julia Roberts: Prováveis, e merecidas, indicadas ao Oscar

Caso a família Weston, de Álbum de Família, se submete-se a um daqueles programas televisivos na linha de Jerry Springer ou “Casos de Família”, o resultado seria uma tremenda dor de cabeça a seus “analisadores”. Ainda que longe de famílias disfuncionais como as de Massacre da Serra Elétrica ou Killer Joe – Matador de Aluguel, os Westons se aproximam muito mais de problemas do mundo real do que os exemplos mais extremos citados. Mas o grande valor aqui, são suas performances excepcionais.

Tracy Letts adapta a trama de sua peça homônima vencedora do Tony, que gira em torno da repentina morte de Bevery Weston (Sam Shepard), que acaba por deixar a esposa doente Violet (Meryl Streep) sob atenção de suas três filhas distintas: Barbara (Julia Roberts), Karen (Juliette Lewis) e Ivy (Julianne Nicholson). Além de terem de lidar com o temperamento explosivo da mãe, que é piorado graças ao vício dessa em medicamentos, as três vão descobrindo segredos polêmicos dentro de seu círculo.

É mais um exemplo de filme que depende inteiramente de seu roteiro – e por consequência, de seu elenco – para funcionar. O filme de John Wells (mais conhecido por seu trabalho em séries como E.R. e Shameless) assume um caráter teatral de cara, já que os melhores momentos da projeção são aqueles dedicados a retratar as ferozes e ácidas discussões, muitíssimo bem roteirizadas por Letts e eficientemente equilibradas pelo montador Stephen Morrione, entre os membros da família. Wells acerta ao criar planos bonitos que capturam a solidão das estradas do interior dos EUA (o condado de Osage, do título original), mas mantém sempre seu excelente elenco em foco.

A começar pela impressionante Meryl Streep. Já virou chavão reconhecer o quão fantástica a atriz é (e os 3 Oscars em sua estante falam por si só), mas seu retrato perturbado e escandaloso de Violet é sensacional. Dominada por roupas, ambientes e acessórios de cor preta, a atriz é reponsável por riscar o fósforo que incedia os duelos verbais entre as filhas (especialmente a interpretada por Julia Roberts, que surge intensa aqui) e oferecer comentários e “patadas” encharcadas de ironia – e até crueldade. E mesmo sendo uma criatura tão detestável, a atriz faz com que gostemos dela: seja por seu caráter anti-heroína, ou quando compreendemos os motivos que a tornam tão severa – e nesse sentido, é interessante observar como esta parece ser uma maldição rogada na família Weston, já que Roberts também mantém com sua filha adolescente (Abigail Breslin, crescida) uma relação tão disfuncional quanto.

O roteiro de Wells oferece bastante destaque aos coadjuvantes, tecendo diversas subtramas que se colidem da forma mais escandalosa possível. Ainda que algumas pudessem ser facilmente deixadas de fora na ilha de edição, vale a pena ver Chris Cooper em excelente forma ao reverter sua posição de alívio cômico em um dos maiores discursos dramáticos do filme ou ver Benedict Cumberbatch em um papel surpreendentemente vulnerável (ainda mais se levarmos em conta sua voz grave). Aqui e ali a projeção se estende além da conta (vale apontar a introdução desnecessariamente longa para o personagem de Cumberbatch), mas jamais perde o espectador.

Regado com altas doses de um bem-vindo humor negro, Álbum de Família é uma fascinante análise sobre os problemas que circulam uma família que não foge muito do padrão encontrado na sociedade atual. Traz excelentes atuações e uma conclusão pouco alentadora acerca de suas irremediáveis personagens, o que fornece ainda mais força à obra.

| O Hobbit: A Desolação de Smaug | As coisas que só um dragão é capaz de fazer

Posted in Aventura, Cinema, Críticas de 2013, Indicados ao Oscar with tags , , , , , , , , , , , , , , , on 17 de dezembro de 2013 by Lucas Nascimento

3.5

Hobb
Evangeline Lilly é Tauriel: Elfa criada especialmente para o filme

É impressionante como algumas coisas podem ficar muito mais interessantes quando se coloca um dragão no meio. Hater confesso da primeira parte da adaptação cinematográfica de O Hobbit, a presença da lendária criatura cuspidora de fogo o fator determinante para me levar a este A Desolação de Smaug, filme que – ainda prejudicado por uma série de problemas de fácil solução – se revela absurdamente superior ao antecessor em todos os aspectos.

A trama começa pouco depois de onde Uma Jornada Inesperada terminara, com a companhia dos anões liderada por Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage) fugindo de um grupo de orcs enquanto seguem para a Montanha Solitária, onde o poderoso dragão Smaug (dublado por Benedict Cumberbatch) se encontra. Enquanto o hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) vai se afeiçoando cada vez mais ao Um Anel, o mago Gandalf (Ian McKellen) parte em uma missão secreta para descobrir a identidade de um misterioso Necromante – feiticeiro capaz de conjurar os mortos.

Depois de uma experiência maçante no filme de 2012, finalmente Peter Jackson e sua trupe de roteiristas (Fran Walsh, Philippa Boyens e Guillermo Del Toro) conseguiram reunir material o suficiente para suportar um longa-metragem com uma duração extensa como a que saga exibe. Mesmo que as opções escolhidas, que envolvem a criação de personagens e eventos ausentes na obra original de J.R.R. Tolkien, sejam completamente descartáveis dentro da narrativa central (triângulo amoroso até na Terra Média?), já é mais do que suficiente para ao menos “parecer dar” a impressão de uma história grandiosa ou pelo menos garantir cenas de ação envolventes (quando acompanhamos mortes inventivas como aquelas vistas na sequência dos barris, impossível se entediar). Funcionam de verdade as sequências que envolvem a investigação de Gandalf, graças à sempre carismática performance do ator e por trazer empolgantes conexões com os eventos de O Senhor dos Anéis.

Infelizmente, aquele mesmo problema do primeiro filme se repete aqui: enrolação, por falta de substantivo melhor. A começar por um prólogo completamente descartável que nos apresenta ao primeiro encontro entre Gandalf e Thorin: qual o sentido de vermos uma cena de introduções a essa altura da narrativa? Pior ainda é quando o clímax insiste em nos fazer acompanhar as 3 tramas diferentes de A Desolação de Smaug, quando tudo o que realmente importava era o conflito com o dragão. Quero dizer, eu pelo menos não comprei aquele triângulo amoroso descartável e… estranho, entre Legolas (Orlando Bloom, cujo único propósito no filme é nos relembrar o quão foda é seu personagem durante variadas batalhas), um dos anões e Tauriel (Evangeline Lily, que empresta suas feições angelicais para uma elfa criada especialmente para o filme). Está ali meramente para preencher espaços, e nos fazer desejar que o montador Jabez Olssen retorne logo para a situação do dragão.

TheHobbit2
Smaug: o dragão mais badass dos últimos tempos

Aliás, que dragão. Sou fã absoluto de praticamente todas as versões da criatura em suas diferentes mídias, mas tenho quase certeza de que o Cinema nunca viu um dragão tão absurdo e carismático quanto Smaug. A começar pelo excepcional trabalho de efeitos visuais da Weta, que garante uma criação digital realista, e o da equipe artística responsável pelo visual detalhista e assustador da criatura, garantindo-lhe uma personalidade que se sobressai diante de todas as criaturas da produção. Ajuda também o fato de que Benedict Cumberbatch seja o responsável pela voz e motion capture do vilão (ele repete a dose também nas aparições do Necromante), cuja gravidade é delicadamente exacerbada a fim de garantir a Smaug a mais imponente voz possível. Posso estar enganado e falando precipitadamente, mas é provavelmente o melhor dragão já criado até hoje no cinema.

Enriquecido por um design de produção estupendo (reparem nas inteligentes influências absolutistas na Cidade do Lago), O Hobbit: A Desolação de Smaug funciona melhor como experiência do que o primeiro filme. Palmas pelas excelentes cenas de ação, uma história mais sustentada e um dragão simplesmente apaixonante. Agora, é sacanagem demais encerrar o filme com um cliff hanger abrupto como esse…

Veja só, Peter Jackson agora vai me fazer assistir O Hobbit: Lá e De Volta Outra Vez no ano que vem. Então, tá.

Obs: Fiquem durante os créditos para ouvir “I See Fire”, de Ed Sheeran. Lindíssima canção.