É fascinante, e até um pouco assustador, quando paramos para pensar que o oceano é menos mapeado do que Marte. Sabemos que o planeta vermelho pode não ter nada de muito chamativo em sua superfície deserta, mas alguns biólogos não fazem ideia do tipo de biosfera que podemos encontrar nas profundezas marítimas, e isso é empolgante. Quando No Coração do Mar tem início, com uma narração tematicamente similar, fica a promessa de algo que explorará o místico com um delicioso senso de mistério. Só que não.
A trama é adaptada do livro “In the Heart of the Sea: The Tragedy of the Whaleship Essex”, de Nathaniel Philbrick, que, por sua vez, é a fonte de inspiração de Herman Melville para o clássico Moby Dick. Aqui, acompanhamos a tripulação do navio baleeiro Essex, liderado pelo capitão George Pillard (Benjamin Walker) e seu primeiro imediato, Owen Chase (Chris Hemsworth). Ao descobrirem uma região distante que pode revelar-se absurdamente lucrativa, são atacados por uma gigantesca baleia branca que os coloca em perigo.
De cara, já é admirável notar a versatilidade de Ron Howard: saído das pistas de fórmula 1 com o excelente Rush: No Limite da Emoção, o diretor já traz Chris Hemsworth e seu diretor de fotografia Anthony Dod Mantle para uma aventura em alto mar sobre pesca de baleias. Infelizmente esse novo filme não alcança o mesmo nível de qualidade do anterior, principalmente não saber exatamente o que quer ser. O marketing nos prometia uma história de homem vs natureza no espírito de Moby Dick, mas a gigantesca baleia antagonista não aparece tanto aqui, e Howard falha ao não apostar em um suspense a lá Tubarão para revelar o grande mamífero; ainda que seja realmente belíssimo quando vemos sua colossal calda emergindo do oceano.
Após um ataque que destroi o navio por completo, o longa entra em um ritmo monótono para acompanhar os sobreviventes lutando para permanecerem vivos em alto mar, remetendo à As Aventuras de Pi e até Náufrago quando os personagens encontram uma ilha remota. Tudo isso é retratado com um certo tom de punição, já que a primeira cena de pesca às baleias é dirigida com tristeza, acompanhada por uma trágica trilha sonora de Roque Baños, como se fosse uma coisa terrível que esses homens fazem, e que sua subsequente perdição no mar é um castigo.
O elenco também mostra-se favorável a esse retrato. Hemsworth é carismático o bastante para segurar o papel de protagonista, criando uma figura esperta e moralmente correta com seu Owen Chase; ainda que sua tão divulgada perda de peso no filme não seja tão bem explorada ou aproveitada pela equipe. Tom Holland, prestes a ganhar as telas como o novo Homem-Aranha, também se sai bem ao lado de Hemsworth, mas é mesmo Brendan Gleeson (que interpreta o mesmo personagem envelhecido) quem tem a oportunidade de compor um trabalho mais complexo, já que recusa-se a contar a história de início, apenas para uma revelação chocante e que rende uma reação emocionante do ator.
Visualmente, também é um resultado agridoce. O trabalho mediano de efeitos visuais para criação das baleias e ambientes realmente não casou com o estilo de Anthony Dod Mantle, particularmente no uso de seus filtos e o trabalho de correção de cor na pós-produção; dando a estranha impressão de o elenco estar “descolado” do ambiente, e um brilho atípico para as ondas. O uso constante de Howard das go pros também incomoda, a não ser por momentos mais sutis; como a reação de Chase ao se dar conta de que perdeu o colar dado por sua esposa.
No Coração do Mar é um longa eficiente, mas que encontra problemas quanto ao tipo de história que quer contar, e onde realmente quer estabelecer seu foco: um filme sobre homem vs animal? A vingança da natureza? A ambição do homem? A criação de uma obra-prima? São muitos filmes presos em um fiapo que ocasionalmente revela-se frágil.