Archive for the Drama Category

| Carol | Crítica

Posted in Cinema, Críticas de 2016, Drama, Romance on 31 de maio de 2020 by Lucas Nascimento
Rooney Mara em mais um romance glacial

Algumas histórias simplesmente não poderiam ser contadas no século passado. Ainda é considerado um tabu, mas histórias de amor homossexual vão ganhando cada vez mais espaço no cinema contemporâneo, incluindo o americano. Lentamente as histórias do passado vão tornando-se populares, e o romance Carol é o novo longa do gênero, que o diretor Todd Haynes oferece em uma embalagem digna.

Adaptada do livro semi-autobiográfico The Price of Salt de Patricia Highsmith trama é ambientada no período do Natal de 1952, onde encontramos a jovem Therese Belivet (Rooney Mara), uma aspirante a fotógrafa que trabalha como atendente em uma loja de departamentos. No furor caótico do período de compras, conhece Carol Aird (Cate Blanchett), uma mãe rica e casada com o influente Harge (Kyle Chandler). Um romance escondido entre as duas rapidamente se inicia, ao mesmo tempo em que o marido as persegue.

Não é uma premissa que grita originalidade, mas realmente não há como se ir tão longe na criação de uma história de amor, apenas na forma como é contada. O roteiro de Phyllis Nagy não toma muitas ousadias no desenrolar de sua narrativa, optando por uma condução majoritariamente linear e um foco constante nas relações entre os personagens. Therese tem todo um subtexto de indecisão profissional e emocional, já que encontra-se pressionada com o pedido de casamento súbito de seu namorado e um desejo de realizar arte. Já Carol enfrenta um doloroso processo de divórcio e uma disputa pela guarda de sua filha pequena, Rindy (vivida pelas gêmeas Sadie e  Kk Heim).

São subtramas sólidas e que oferecem uma aproximação forte entre as protagonistas, o que nos leva ao óbvio trunfo da produção: Cate Blanchett e Rooney Mara. Todas as cenas de diálogo entre as duas são fascinantes, principalmente pela química entre as duas até a condução absolutamente sensorial de Todd Haynes. Blanchett assume uma postura muito mais segura e madura durante as cenas com Mara, evidenciando ali sua idade mais avançada, mas é comovente vê-la se quebrando com a ameaça de perder a custódia de sua filha – imediatamente vilanizando o personagem de Kyle Chandler, mas ao analisar de perto encontramos uma insegurança significativa.

Mas é mesmo Rooney Mara quem tem o trabalho mais difícil, justamente pelo fato de ser a personagem mais complexa. Sua grande confusão com o mundo é bem clara com o olhar quase perdido da personagem em cenas de multidão ou com seu complicado namorado; vide a cena em que tenta perguntar a ele se acredita no amor entre duas pessoas do mesmo sexo, imediatamente negando quando este pergunta se o caso se aplicaria a ela. Porém, tudo desaparece ao contracenar com Blanchett. Therese torna-se ali uma mulher madura e que vai descobrindo o que é a vida e o amor, fazendo com que Mara cresça também.

O que nos leva ao sensível estilo de Haynes, um diretor muito inteligente. Na primeira conversa informal entre as duas, em um almoço, seu posicionamento de câmera é certeiro para traduzir visualmente o contraste entre as personagens: numa posição superior econômica (e até emocional, dada sua experiência que é constantemente posta contra à da amante), o plano de Carol é ligeiramente mais alto do que a de Therese, que parece melhor distribuída no contra plano. É revelador vermos uma sutil inversão, no momento em que Carol volta atrás em uma determinada situação, trazendo-a agora em um evidente plano plongée enquanto fala ao telefone com Therese; e esta, enquadrada normalmente do outro lado da linha.

Vale apontar como o olho do diretor é muito interessado em pequenos detalhes. Quando Carol dirige para Therese pela primeira vez, o olhar da jovem foca-se nos dedos da companheira no volante, nos pelos de seu carregado casaco de peles e no vermelho do batom em seus lábios carnudos. A trilha sonora predominantemente focada em piano e flauta fornece o toque perfeito para cenas do tipo, no qual uma química borbulhante entre as duas vai lentamente evoluindo.

O longa também merece aplausos pela genuína recriação do período e a imersão atmosférica que provoca no espectador. A começar pela fotografia de Ed Lachman, que opta por rodar o filme em película 16mm, conferindo assim um grão muito mais evidente, mas que torna-se perfeito quando consideramos não só a época, mas a paixão de Therese pela fotografia; não poderia imaginar este filme tendo o mesmo impacto com cinematografia digital, mesmo preferindo o formato. A tonalidade das cores, sempre pendendo para algo frio e não muito forte também destacam o inverno e o frio da temporada natalina, o que faz sentido quando pensamos na expressão “Christmas Carol”. A imagem de Mara vista através de um vidro de carro embaçado é uma das mais belas.

O design de produção de Judy Becker revela-se econômico, mas bem sucedido na fidelidade ao período e ao serviço narrativo. A loja de departamentos onde Therese trabalha, por exemplo, é um ambiente claustrofóbico que só piora com o grande número de pessoas e também os enquadramentos de Haynes, sempre posicionando a câmera atrás de algum cômodo ou em cantos de tela, como quando vemos Therese arrumando uma prateleira de bonecas ou a visão periférica de uma chegada que acontece pelo banco de trás de um carro.

Carol pode não oferecer algo muito original ou revolucionário em o que poderia ser descrito como mais uma história de amor, mas é feito e executado com maestria e muita elegância, além de conter duas ótimas performances centrais.

| Steve Jobs | Crítica

Posted in Críticas de 2016, Drama with tags , , on 13 de dezembro de 2019 by Lucas Nascimento


O homem que mudou o jogo: Michael Fassbender é o fundador da Apple

Mas de novo? Essa é a reação quase que unânime diante deste Steve Jobs, novo filme sobre a vida do icônico fundador da Apple, falecido em vítima do câncer em 2011. Depois de uma biografia mediana com Ashton Kutcher e diversos documentários obcecados em reformular a imagem de Jobs (que de gênio de informática não tinha muito, um fato absoluto), chega a vez do roteirista Aaron Sorkin dar sua versão em um biopic diferente de qualquer outro longa do gênero.

Desinteressado em contar a história de Jobs (vivido aqui por Michael Fassbender) do início ao fim, Sorkin aposta em uma estrutura que se espelha mais no teatro do que no cinema: são três atos diferentes, cada um centrado nos bastidores do lançamento de algum produto. No caso, o Macintosh em 1984, o NEXT em 1988 e o iMac em 1998.

Essa decisão ousada transforma Steve Jobs em uma experiência verborrágica e diferente, já que uma grande quantidade de informações e exposição sobre fatos passados será constantemente debatida. Mesmo que tenhamos alguns flashbacks ocasionais (incluindo uma cena na garagem real de Jobs) para traçar bons paralelos com o presente, tudo é explicado verbalmente. Desde o funcionamento dos produtos até a gerência de Jobs na Apple e, principalmente, sua conturbada relação com Chrisann Brennan (Katherine Waterston) e sua filha Lisa, a qual ele recusa insistentemente a paternidade.

Normalmente, tanta exposição é um pesadelo cinematográfico. Felizmente, Aaron Sorkin é o melhor roteirista trabalhando em Hollywood no momento. Saído dos roteiros magníficos de A Rede Social e O Homem que Mudou o Jogo (que assinou ao lado de outro monstro, Steven Zaillian), Sorkin é simplesmente um mestre na arte de diálogos. Na escolha de palavras, analogias e tiradas cômicas, tudo funciona como uma sinfonia verborrágica da melhor qualidade, e a arrogância de Jobs é perfeita para que o roteirista traga discussões onde ouvimos frases como “Não está funcionando? Você teve três semanas para consertar isso. O Universo foi construído em um 1/3 desse tempo” ou “Deus mandou seu filho único em uma missão suicida, e todos gostamos dele porque nos deu árvores”. É uma prosa tão detalhada e repleta de nuances que até a melhor das legendas em português terá dificuldades em capturar e adaptar todas elas apropriadamente.

A questão da paternidade talvez seja o elemento mais fundamental da trama. A pequena Lisa (vivida por Makenzie Ross, Ripley Soboe a brasileira Perla Haney-Jardineem diferentes períodos) tem participações pontuais em todos os três atos, muitas vezes escondida atrás de portas ou mobílias. É uma rejeição gigantesca e uma relação peculiar a de Jobs com a suposta filha, mas é fascinante ver como a relação dos dois vai se transformando consideravelmente, até porque Sorkin confere diálogos espirituosos até mesmo às jovens atrizes. É só no ato final, porém, que a maior catarse emocional atinge como um trem-bala à toda velocidade. “Fui mal construído”, desabafa Jobs.

É um roteiro perfeito, do tipo que merece ser estudado minuciosamente por estudantes da área. Por isso, o que impedeSteve Jobsde se tornar um novo clássico americano é a incompatibilidade do texto com a direção deDanny Boyle. Dono de um estilo visual marcante e agressivo, é até aliviante vê-lo muito mais contido do que costuma ser (basta lembrar-nos da fúria visual em Quem Quer ser um Milionário? ou o surtado Em Transe), adotando uma câmera leve e que acompanha os incontroláveis personagens em travellingsconstantes, até chegando a manter a câmera fixa durante alguns diálogos – o que é ótimo. Porém, Boyle aposta em alguns maneirismos visuais que acabam por roubar a atenção e tornar-se algo mais caótico; vide a cena em que Jobs usa a história do lançamento do foguete Skylab como alegoria, e vemos imagens de arquivo do mesmo magicamente na parede às suas costas ou até mesmo a quantidade de planos holandeses sem a menor função narrativa.

A ferocidade de uma discussão entre Jobs e John Sculley (Jeff Daniels) acaba confusa no contra-fogo de uma montagem paralela muito mal posicionada, onde o embate verbal dos dois é entrecortado com flashbacks – com mais diálogos – do dia fatídico que levou à inimizade dos dois. Mesmo que ambos os atores estejam fantásticos, a condução de Boyle é desastrosa, quase sacrificando a compreensão dos eventos diante dessa gritante falta de foco, também afetada pelo excesso de trilha sonora no momento (ainda que seja do fantásticoDaniel Pemberton). É uma simples questão de dosagem.

A fotografia de Alwin H. Küchler, no entanto, se mostra uma ideia mais certeira. Com a divisão de três períodos temporais, Küchler aposta no uso de formatos diferentes para cada porção da história: o Macintosh é rodado em película 16mm, o NEXT em 35mm e o iMac enfim alcança a cinematografia digital (mesmo que seja uma decisão factualmente imprecisa, já que a técnica digital só seria bem aprimorada em 2002). Logo na primeira cena o impacto é forte, já que o grão forte dos 16mm nos revela a “sujeira” e caos por trás do lançamento de uma empresa tão notória por design e a estética clean.

Da mesma forma, o aspecto teatral de Sorkin evoca uma grandiloquência que acaba refletida no design de produção, situado todo em bastidores, palcos, salões de orquestra e camarins, o que reforça a ideia de todos ali serem artistas e até atores (até vemos Jobs retocando maquiagem em certo momento). É quase como olhar pelo ponto de vista do próprio Jobs, já que dificilmente uma platéia ficaria tão extasiante a ponto de fazer o tremer o chão com um simples anúncio tecnológico.

O que nos leva ao elenco, que certamente sofreu nas sessões de ensaio para decorar e interpretar toda a metralhadora verborrágica de Sorkin. A começar pelo sensacional Michael Fassbender, cujo Jobs está em praticamente em todas as cenas do longa, fazendo com que o ator carregue tudo nas costas. Uma tarefa que Fassbender realiza excepcionalmente, conseguindo capturar o sentimento de superioridade e quase como se suas realizações fossem dignas do Monte Olímpio, como observamos em seu trabalho vocal que oscila magicamente entre pedante e ameaçador ou os gestos no qual parece saudar a todos sua presença; em um momento, até simula a pose de um maestro, tema de um dos diálogos mais memoráveis.

Coadjuvante no melhor sentido da palavra,Kate Winslet dá vida a Joanna Hoffman, a diretora de marketing da Apple. E como Jobs era um aficionado em design, não é de se imaginar que a incansável assistente vá de ajustar propriedades na exibição de um projetor até uma cruzada de última hora atrás de uma camisa que atenda às exigências de Jobs. Winslet se sai muito bem, por também revelar um apego emocional quase que maternal diante de seu chefe, sendo a bússola moral que aponta para o conserto da situação Lisa. Sem falar que a atriz adota um discretíssimo sotaque polonês.

Por fim, temos Seth Rogen, Jeff Daniels e Michael Stuhlbarg em bons papéis menores. O comediante famoso pelas comédias stoner se sai incrivelmente bem na pele de Steve Wozniack, amigo íntimo de Jobs e o verdadeiro cérebro por trás da criação do Apple II. Não só o senso de humor está presente de forma bem contida, mas a performance de Rogen deixa bem claro que o sujeito parece borbulhar por dentro, mas não o faz em consideração a seu amigo. “Estou cansado de ser o Ringo, quando claramente sou o John”, confronta Woz, em uma divertida analogia aos Beatles.

Daniels traz mais intensidade à mesa, na pele de John Sculley, especialmente em uma calorosa discussão com seu antigo colega. É revelador analisar também como Sculley claramente se arrepende do “término” dos dois, mostrando que ali residia uma boa amizade. Por fim, Stuhlbarg revela uma importância inesperada de seu engenheiro Andy (qual deles? Hertzfeld) no último ato, enfim justificando sua quase-onipresência ao longo da projeção.

Steve Jobs é um ótimo filme, e traz um dos roteiros mais refinados que o cinema americano já viu nos últimos anos. Por esse motivo, é um tanto frustrante que a odisseia de Aaron Sorkin chegue tão perto de tocar o céu, ficando perto de tornar-se uma obra-prima.

Afogo-me em lágrimas ao imaginar como seria a realidade alternativa utópica em que David Fincher imaginou ao assumir, em determinado ponto, a direção do projeto.

| Spotlight: Segredos Revelados | Crítica

Posted in Cinema, Críticas de 2016, Drama with tags , , , , , , , , , , , on 8 de janeiro de 2016 by Lucas Nascimento

 

4.5

Spotlight
Esquadrão Suicida: a ousada equipe Spotlight do Boston Globe

A união de jornalismo com cinema costuma render resultados memoráveis. De Cidadão Kane à Montanha dos Sete Abutres, e então longas mais modernos como Intrigas de Estado e Zodíaco, a primeira gaveta simbólica que se abre na mente das pessoas ao pensar nessa união de estilos é o clássico Todos os Homens do Presidente, filme de Alan J. Pakula sobre o escândalo de Watergate. É também o primeiro filme que me vem à mente após o término da sessão de Spotlight: Segredos Revelados, que pode ser considerado o equivalente desta geração ao suspense de Dustin Hoffman e Robert Redford.

Baseado nos eventos reais de Setembro de 2001, a trama gira em torno da equipe de redação “Spotlight” do jornal Boston Globe, especializado em matérias investigativas. O caso da vez centra-se na exposição dos diversos abusos sexuais cometidos por cardeais da Igreja Católica e o acobertamento destes pela instituição e até mesmo grupos de advogados.

Sendo uma história verídica, a necessidade de retratar os eventos com veracidade torna-se uma preocupação real para os realizadores. É exatamente o que vemos no filme de Tom McCarthy (o mesmo diretor de… Trocando os Pés. Juro. Sério.), adotando uma direção discreta e escrava de seu roteiro factual e pautado no realismo, seja no desenrolar da história repleto de detalhes e informações até os diálogos que tentam resumi-los. A prosa de Josh Singer e do próprio McCarthy aposta pouco em dramatizações ou frases de efeito, conseguindo prender a atenção do espectador com a força de sua história e o clima de mistério/insatisfação que permeia a cada nova pista encontrada pela equipe.

E que equipe, convenhamos. Em uma perfeita distribuição de personagens, fica muito evidente que não temos um protagonista central no longa. Toda a equipe funciona como um organismo vivo e pensante, o que faz sentido a decisão da Sony em inscrever todo o elenco como coadjuvante. De cara, pessoalmente achei que Mark Ruffalo se sobressaiu, tendo a difícil tarefa de elaborar um sotaque português que não soasse caricatural para seu Mike Rezendes, além de ter os maiores surtos emocionais diante da injustiça do caso, rendendo ótimos momentos para o ator.

Michael Keaton empresta sua postura de veterano para Robby Robinson, o chefe da redação de Spotlight. Com muita eficiência na performance de Keaton, percebemos como a determinação de Robby vai pensa muito à frente da de Mike, por exemplo. O colega mais novo grita para que as novas evidências sejam publicadas imediatamente, mas Robby insiste para que coletem evidências ainda mais fortes que sejam capazes de denunciar todo o sistema, ao invés de casos isolados. Não só uma atitude de um grande líder, mas fica ainda mais interessante ao descobrirmos uma camada mais complexa que o personagem vinha ocultando desde o início.

Ainda temos Rachel McAdams entregando mais uma atuação decente como Sacha Pfeiffer, mesmo que a atriz continue presa a uma performance de uma nota só que se estende por seus trabalhos mais recentes. Stanley Tucci aparece pouco, mas é tempo o suficiente para que seu Mitchell Garabedian seja visto como uma figura de início repreensível, mas que revela-se mais importante e útil do que esperado. Liev Schreiber tem ainda menos tempo de tela como Marty Baron, o jornalista que entrega a tarefa para a Spotlight, mas impressiona por seu misto de autoridade, profissionalismo e respeito pelos companheiros (“Vocês merecem uma pausa, mesmo. Mas segunda feira de manhã, precisarei de todos aqui”, é uma de suas melhores entregas).

Novamente, não é um longa que se deixa levar por inovações visuais ou artifícios que poderíamos chamar de “cinematográficos”. A fotografia de Masanobu Takayanagi aposta em uma paleta fria e sem muitos invencionismo, com raras exceções. Há um plano longo muito bem executado e posicionado para a cena em que Matt Carroll (o ótimo Brian d’Arcy James) descobre que um dos padres acusados reside a apenas alguns metros de sua própria casa, ou a sequência de passagem de tempo que aposta em um coral natalino de crianças de igreja; uma escolha brilhante que revela não só o período no qual a trama vai avançado, mas a ironia cruel de sua melodia dócil. Aliás, a trilha sonora discreta de Howard Shore confere o clima perfeito para a projeção, apostando fortemente numa composição simples e eficaz de piano.

Spotlight: Segredos Revelados é um filme que valoriza e respeita o papel do jornalismo investigativo, devendo servir como inspiração para estudantes da área. Mesmo não ousando em questões audiovisuais, é uma narrativa forte e que mantém o espectador vidrado, saindo da sessão com a mesma sensação de injustiçado de seus protagonistas.

Por mais que a tinta e o papel tenham sido armas poderosas, a situação horrenda é uma batalha longe de ser vencida.

| Os Oito Odiados | Crítica

Posted in Cinema, Comédia, Críticas de 2016, Drama with tags , , , , , , , , , , , , on 1 de janeiro de 2016 by Lucas Nascimento

4.0

h8
Jennifer Jason Leigh é Daisy Domergue: a mais suja entre mal lavados

Filmes de Quentin Tarantino são praticamente um evento cinematográfico. O diretor e roteirista certamente tem ciência disso, afinal durante os créditos iniciais somos alertados de que trata-se de seu “oitavo filme”, o que não deixa de ser uma ironia que trata-se de algo batizado como Os Oito Odiados. Novamente se aventurando no faroeste, após o bem-sucedido Django Livre, Tarantino demonstra maturidade e surpreende, ainda que longe da perfeição.

A trama se passa uns dois anos após a Guerra Civil americana, no final dos anos 1800. Em uma forte nevasca, o caçador de recompensas Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson) é acolhido por outro colega de profissão, John Ruth “O Carrasco” (Kurt Russell), que leva acorrentado consigo a prisioneira Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) para ser enforcada na cidade mais próxima. Em decorrência do clima opressor, eles são forçados a ser refugiar em uma estalagem, onde também residem Chris Mannix (Walton Goggins), o novo xerife de Red Rock, o carrasco Oswaldo Mobray (Tim Roth), o mexicano Bob (Demián Bichir), o confederado Sandy Smithers (Bruce Dern) e o vaqueiro Joe Gage (Michael Madsen).

Pelo estabelecimento da trama em um único local, e uma série de intrigas criadas entre seus personagens, é bem evidente que a premissa de Os Oito Odiados se aproxima bastante da do primeiro filme de Tarantino, Cães de Aluguel. Claro, com um orçamento maior e ambições maiores, a trama do faroeste é muito mais complexa e interessante do que vemos à primeira vista. À medida em que passam os capítulos da divisão habitual de Tarantino, descobrimos mais detalhes sobre o passado dos jogadores e o real contexto da história. É muito divertido como  a atmosfera da trama remete bastante a um jogo de tabuleiro, como Detetive, quando descobrimos que alguém ali pode ou não ter intenções letais.

O elenco é fantástico nesse quesito. Em mais uma colaboração com Tarantino, Samuel L. Jackson demonstra muita segurança e experiência na pele de um veterano de guerra, e um medo muito bem mascarado: “Você não sabe como é ser um negro nos EUA”, alerta Warris, que também mostra-se sombrio e perigoso; seu desempenho ao relatar um certo evento para o personagem de Bruce Dern é fabuloso, assim como a reação do veterano ator. Tim Roth e Michael Madsen eram dois atores que não davam as caras em um filme do diretor há um tempo, e se saem muito bem. Roth acerta em sua postura cortês e no sotaque britânico carregado (em muitas maneiras, ele preenche os sapatos de Christoph Waltz), enquanto Madsen mantém seu estilo misterioso e “cool”.

Kurt Russell também retoma a parceria após À Prova de Morte, fazendo de Ruth um sujeito extremamente escandaloso e paranóico, já que toma todas as medidas possíveis para garantir que ninguém lhe passe a perna na captura de Domergue (basta nos lembrarmos que ele está ACORRENTADO a ela). Mas é mesmo Jennifer Jason Leigh quem rouba a cena. Ainda que não fique claro no começo, ela é a personagem quem mais merece o título de “odiado” do título, jamais perdendo força ou charme, mesmo sendo esmurrada e estapeada por Russell durante quase toda a projeção. Suja até os pés de sangue e com os dentes quebrados, o discurso que a protagonista durante o último ato deve se destacar como um dos melhores momentos da carreira de Tarantino.

Para seu segundo faroeste, Tarantino apostou pesado. Aliado ao diretor de fotografia Robert Richardson, rodou o longa em película Ultra 70 mm, que permite uma razão de aspecto mais extensa e, assim, uma visão de campo muito mais estreita e vasta horizontalmente. As paisagens geladas de montanhas de neve ganham muito com o formato, que também revela-se curioso pela decisão de Tarantino de manter a trama toda em um único espaço. Visualmente, garante muito mais detalhes e ainda valoriza o trabalho do designer de produção de Richard L. Johnson na criação da estalagem, cuja decoração e objetos de cena revelam-se essenciais para algumas das pistas descobertas pelos personagens. A trilha sonora original de Ennio Morricone é outra valiosa adição, que ajuda o espectador a imergir em um clima de mistério e antecipação, dando pouco espaço para uma trilha sonora incidental pop (há apenas uma ocasião, com White Stripes).

Talvez o único problema seja o ritmo. Com quase 3 horas de duração, percebe-se que muito poderia ser reduzido se o montador Fred Raskin fosse mais habilidoso. Depois do “interlúdio” que separa o longa (que é inserido no melhor momento possível, palmas), o ritmo torna-se perigosamente lento, incluindo aí um capítulo em flashback que acaba se alongando muito mais do que o necessário. A conclusão também nos traz um Tarantino mais tímido, mas agrada pela quase inédita preocupação em abordar uma questão social relevante da história dos EUA.

Os Oito Odiados é mais um acerto para Quentin Tarantino, que realiza aqui um de seus experimentos mais maduros e desafiadores. Não atinge a perfeição de seus trabalhos anteriores, mas merece créditos pelo excepcional elenco reunido aqui.

Obs: Será um desafio para as salas de cinema conseguirem projetar com perfeição a película. Boa sorte.

| No Coração do Mar | Crítica

Posted in Aventura, Cinema, Críticas de 2015, Drama with tags , , , , , , , , , , , , , , , , , on 2 de dezembro de 2015 by Lucas Nascimento

3.5

IntheHeartoftheSea
Chris Hemsworth é Owen Chase

É fascinante, e até um pouco assustador, quando paramos para pensar que o oceano é menos mapeado do que Marte. Sabemos que o planeta vermelho pode não ter nada de muito chamativo em sua superfície deserta, mas alguns biólogos não fazem ideia do tipo de biosfera que podemos encontrar nas profundezas marítimas, e isso é empolgante. Quando No Coração do Mar tem início, com uma narração tematicamente similar, fica a promessa de algo que explorará o místico com um delicioso senso de mistério. Só que não.

A trama é adaptada do livro “In the Heart of the Sea: The Tragedy of the Whaleship Essex”, de Nathaniel Philbrick, que, por sua vez, é a fonte de inspiração de Herman Melville para o clássico Moby Dick. Aqui, acompanhamos a tripulação do navio baleeiro Essex, liderado pelo capitão George Pillard (Benjamin Walker) e seu primeiro imediato, Owen Chase (Chris Hemsworth). Ao descobrirem uma região distante que pode revelar-se absurdamente lucrativa, são atacados por uma gigantesca baleia branca que os coloca em perigo.

De cara, já é admirável notar a versatilidade de Ron Howard: saído das pistas de fórmula 1 com o excelente Rush: No Limite da Emoção, o diretor já traz Chris Hemsworth e seu diretor de fotografia Anthony Dod Mantle para uma aventura em alto mar sobre pesca de baleias. Infelizmente esse novo filme não alcança o mesmo nível de qualidade do anterior, principalmente não saber exatamente o que quer ser. O marketing nos prometia uma história de homem vs natureza no espírito de Moby Dick, mas a gigantesca baleia antagonista não aparece tanto aqui, e Howard falha ao não apostar em um suspense a lá Tubarão para revelar o grande mamífero; ainda que seja realmente belíssimo quando vemos sua colossal calda emergindo do oceano.

Após um ataque que destroi o navio por completo, o longa entra em um ritmo monótono para acompanhar os sobreviventes lutando para permanecerem vivos em alto mar, remetendo à As Aventuras de Pi e até Náufrago quando os personagens encontram uma ilha remota. Tudo isso é retratado com um certo tom de punição, já que a primeira cena de pesca às baleias é dirigida com tristeza, acompanhada por uma trágica trilha sonora de Roque Baños, como se fosse uma coisa terrível que esses homens fazem, e que sua subsequente perdição no mar é um castigo.

O elenco também mostra-se favorável a esse retrato. Hemsworth é carismático o bastante para segurar o papel de protagonista, criando uma figura esperta e moralmente correta com seu Owen Chase; ainda que sua tão divulgada perda de peso no filme não seja tão bem explorada ou aproveitada pela equipe. Tom Holland, prestes a ganhar as telas como o novo Homem-Aranha, também se sai bem ao lado de Hemsworth, mas é mesmo Brendan Gleeson (que interpreta o mesmo personagem envelhecido) quem tem a oportunidade de compor um trabalho mais complexo, já que recusa-se a contar a história de início, apenas para uma revelação chocante e que rende uma reação emocionante do ator.

Visualmente, também é um resultado agridoce. O trabalho mediano de efeitos visuais para criação das baleias e ambientes realmente não casou com o estilo de Anthony Dod Mantle, particularmente no uso de seus filtos e o trabalho de correção de cor na pós-produção; dando a estranha impressão de o elenco estar “descolado” do ambiente, e um brilho atípico para as ondas. O uso constante de Howard das go pros também incomoda, a não ser por momentos mais sutis; como a reação de Chase ao se dar conta de que perdeu o colar dado por sua esposa.

No Coração do Mar é um longa eficiente, mas que encontra problemas quanto ao tipo de história que quer contar, e onde realmente quer estabelecer seu foco: um filme sobre homem vs animal? A vingança da natureza? A ambição do homem? A criação de uma obra-prima? São muitos filmes presos em um fiapo que ocasionalmente revela-se frágil.

| Aliança do Crime | Crítica

Posted in Cinema, Críticas de 2015, Drama with tags , , , , , , , , , , , , , , , on 14 de novembro de 2015 by Lucas Nascimento

3.0

BlackMass
Johnny Depp é Whitey Bulger

Quem não adora um bom filme de máfia? Talvez seja, junto com o western, um dos mais característicos gêneros do cinema americano, que já nos rendeu obras como a trilogia Poderoso ChefãoOs Bons Companheiros, ScarfaceEra uma Vez na América,Os Intocáveis e obras recentes como Os Infiltrados, O Gângster, O Homem da MáfiaO Ano Mais Violento e tantas outras. É sempre bom entretenimento observar sagas criminosas de figuras detestáveis que podem – ou não – criar curiosa empatia com o público. Quando anunciado que Johnny Depp largaria a excentricidade irritante de seus trabalhos com Tim Burton em Aliança do Crime, a empolgação é grande.

A trama é inspirada na história real do gângster Jimmy “Whitey” Bulger (Depp) e sua controversa aliança com o FBI, representado na forma do ambicioso John Connolly (Joel Edgerton) nas décadas de 70 e 80. Enquanto Bulger expande seu pequeno império no sul de Boston, é protegido por seu irmão senador (Benedict Cumberbatch) e ganha imunidade do FBI por entregar seus competidores.

É um material excelente para se trabalhar, e o roteiro de Mark Mallouk e Jez Butterworth consegue comportar uma vasta quantidade de eventos em uma narrativa concisa e que usa da função de flashfoward de maneira orgânica; com os antigos comparsas de Bulger prestando depoimento à polícia de forma que avance a trama sem exposição gritante.

O problema é que Aliança do Crime não é exatamente empolgante.

Tem todos os ingredientes e jogadores muito habilidosos, mas o diretor Scott Cooper realmente não consegue encontrar uma identidade para o longa. Não tem o carinho familiar que marcou O Poderoso Chefão (ainda que a história tente criar uma relação afetiva entre Bulger e seu filho pequeno), nem o humor ácido de Os Bons Companheiros, infelizmente limitando-se a uma experiência burocrática. Cooper até consegue compor bons enquadradamentos (é curiosa a rima com o plongée do carro de Bulger com a visão de Connolly e sua esposa vistos atrás de uma porta) e o diretor de fotografia Masanobu Takayanagi utiliza bem das cores e do granulado para compor uma imagem que teria saído dos anos 70, mas não há nada de realmente memorável como cinema. Nem as súbitas explosões de violência impactam como deveriam.

Muitos irão assistir por Johnny Depp, e depois de ver o talentoso ator ser desperdiçado em tantas atrocidades, é confortante vê-lo bem encaixado na pele de Bulger. Sua fala mansa que logo revela-se ameaçadora é cativante, assim como o sutil trabalho do ator com os olhos, dominando todas as cenas em que aparece. É uma construção que felizmente não soa espalhafatosa, podendo muito bem ser posta lado a lado com seu ótimo trabalho em Inimigos Públicos, onde também deu vida a mais um notório criminoso da história dos EUA: John Dillinger. Porém, sua maquiagem excessivamente caricata o destoa de todo o restante da produção, como se fosse uma figura que, visualmente, não pertencesse àquele universo.

E mesmo com um elenco estelar em mãos, Cooper nunca consegue aproveitá-los. Joel Edgerton está excelente como Connolly, e sua jornada de corrupção é certamente o ponto mais interessante da narrativa (ainda que a transição de lado jamais seja verdadeiramente explorada, tendo uma cena de balada aqui e pronto), mas quando temos Benedict Cumberbatch, Kevin Bacon, Corey Stoll, Peter Sarsgaard, Juno Temple e Jesse Plemons todos reduzidos a participações especiais, é frustrante.

Aliança do Crime jamais atinge o grandioso status que poderia ter alcançado, limitando-se a uma narrativa mais segura e com medo de encontrar sua identidade. Funciona pontualmente pelo elenco e a progressão da história, mas é realmente um longa que não será muito lembrado.

| Sicario: Terra de Ninguém | Crítica

Posted in Cinema, Críticas de 2015, Drama, Suspense with tags , , , , , , , , , , , , on 21 de outubro de 2015 by Lucas Nascimento

4.0

Sicario
Emily Blunt é Kate Macer

No cinema americano, o gênero de guerra sempre precisou de um conflito chave para gerar boas narrativas. Nada a ver com ideologia ou ufanismo (na maioria dos casos, claro), mas uma situação em que humanos se viram uns contra os outros para derramamento de sangue oferece um olhar reflexivo e por vezes fascinantes sobre o Homem. Ainda que não seja uma guerra propriamente dita, o narcotráfico têm se tornado um tema popular nos últimos anos, tendo em Sicario: Terra de Ninguém, mais uma adição digna.

Estreia do ator Taylor Sheridan (Sons of Anarchy) como roteirista, a trama nos apresenta à agente do FBI Kate Macer (Emily Blunt), que é designada para um divisão especial na luta contra um notório cartel de drogas mexicano. Sob a conduta do nebuloso Matt Graver (Josh Brolin) e auxílio do misterioso Alejandro (Benicio Del Toro), Kate mergulha fundo na perigosa atmosfera do México e a luta por respostas.

É muito simples o texto de Sheridan, e não vai muito além do familiar. Afinal, depois do sucesso avassalador de Breaking Bad, qualquer produto audiovisual sobre o tema tem uma grande dificuldade em destacar-se (saindo novamente do cinema, é o caso da série Narcos, que é eficiente mas nada original). Sicario faz o básico e traz personagens interessantes, especialmente o agente irrotulável que Benicio Del Toro vive de forma soturna e imprevisível; não sendo nenhuma surpresa que este roube totalmente o filme da protagonista de Blunt. O que é uma pena, dado que havia aqui a oportunidade de criar uma protagonista feminina forte aos moldes da Maya de A Hora Mais Escura, e a atriz se sai bem ao questionar as ações de seus superiores e demonstrar muita fragilidade – a cena de abertura é matadora. Só fico decepcionado que uma personagem que prometesse tanto, acabasse em um arco dramático tão frustrante; mesmo sendo uma consequência natural de suas escolhas e do universo cruel no qual habita.

Mas o que torna o filme realmente memorável é seu diretor. Denis Villeneuve. Vindo de uma carreira forte marcada por IncêndiosOs SuspeitosO Homem Duplicado, o franco-canadense explora aqui sua habilidade de criar tensão, sendo capaz de nos deixar preocupados com seus personagens mesmo com pouco tempo de filme. A crueldade da descoberta feita na primeira cena já é o primeiro indício da violência que encontraremos, e a antecipação por esta é muitíssimo bem salientada pelos planos bem abertos – monstrualizando as áridas paisagens mexicanas – e a excelente trilha sonora de Jóhann Johánssonn, capaz de provocar com as notas mais simples possíveis.

Vale apontar também a condução de Villeneuve durante as tensas sequências envolvendo uma possível emboscada na fronteira entre EUA e México e a invasão da equipe em um túnel que exige que o sempre brilhante diretor de fotografia Roger Deakins troque suas ensolaradas lentes para uma visão noturna/infravermelha, garantindo uma solução dinâmica e imersiva.

 Sicario: Terra de Ninguém continua solidificando a carreira e comprovando o talento de Denis Villeneuve, rendendo um filme intenso e que se beneficia de uma condução impecável, capaz de invalidar a estrutura batida do roteiro e sua falta de originalidade.

| Ponte dos Espiões | Crítica

Posted in Cinema, Críticas de 2015, Drama with tags , , , , , , , , , , , , on 21 de outubro de 2015 by Lucas Nascimento

4.5

BridgeofSpies
Estrada para a Perdição? Quase.

Ao longo de sua brilhante carreira, Steven Spielberg nos revelou que seu corpo e mente são habitado por duas entidades diferentes: o Spilba Divertido, que nos rendeu aventuras incomparáveis como TubarãoIndiana JonesJurassic Park, e o Spilba Sério, responsável por Amistad, A Lista de Schindler, Munique Lincoln. Em ambas as situações, temos uma maestria técnica indiscutível, já que o diretor é dono de um estilo único e que se manifesta independente do gênero. E mesmo que eu seja muito mais fã do Spilba da diversão, Ponte dos Espiões revela-se um dos mais afiados “filmes de gente grande” do diretor.

A trama é inspirada em eventos reais, nos transportando para o ano de 1957, no qual os EUA e a URSS estavam em plena tensão nuclear em decorrência de sua Guerra Fria. Entra o advogado de seguros James B. Donovan (Tom Hanks), que é escolhido pelo governo para auxiliar uma delicada troca de prisioneiros entre as nações inimigas: o espião russo Rudolf Abel (Mark Rylance) e o piloto americano Francis Gary Powers (Austin Stowell).

Isso é Spielberg clássico. O típico homem de família do bem que é jogado de sua rotina confortável para uma grande aventura que eventualmente o trará de volta para casa no final, para grande admiração de sua esposa e filhos. A diferença é que o cenário aqui é muito mais tenso e é retratado com uma seriedade maior do que aquele visto em, por exemplo, Contatos Imediatos do Terceiro Grau (não que Spielberg não leve a ficção científica a sério), dado o contexto político da trama. Logo em seus minutos iniciais, o diretor arrebenta com uma longa e muda sequência na qual somos colocados no meio de uma perseguição, mas sem saber exatamente quem persegue quem. Ajuda também a ausência da música que, pela primeira vez desde A Cor Púrpura, não traz a assinatura do mestre John Williams, deixando Thomas Newman com a responsabilidade, algo que o compositor faz muito bem.

E talvez fiquem surpresos, mas o roteiro é assinado por ninguém menos do que os irmãos Joel e Ethan Coen, que devem ter escrito o filme ao mesmo tempo em que cuidavam do texto de Invencível, dadas as ligeiras semelhanças entre ambos os filmes – prisioneiros de guerra, aviões de caça caindo do céu. Mas se no filme de Angelina Jolie não havia nada que lembrasse o estilo dos irmãos, aqui temos muitas sutilezas e tiradas que definitivamente vieram de suas mentes, como na sarcástica introdução de Donovan, cheia de verbarrogia em torno das frases “My guy, your guy”, ou o momento em que um personagem tem diversos telefones à sua mesa, atendendo o errado quando um deles toca. Mas não só isso, a prosa dos Coen e X é habilidosa ao lidar com pesadas quantidades de informações, jargar político e de Direito, de forma que não as torna incompreensível para o público, mas também não lhes sacrifica inteligência.

Tudo bem que o filme peca por sua longa duração, e por inevitáveis quebras de ritmo para servir de transição entre os acontecimentos principais, além de trazer a dipensável dramaticidade exagerada do Spilba Sério: mesmo que esteja na procura de um clima tenso para a tensão nuclear, mostrar crianças chorando na sala de aula enquanto assistem a imagens da bomba de Hiroshima me pareceu apelativo demais. E sendo um filme americano sobre a Guerra Fria, os EUA inevitavelmente assumirão o papel de mocinhos, mas o filme é eficiente na hora de dosar o patriotismo, não soando ofensivo ou propagandista como os desfiles militares de Michael Bay, afinal, isso fica evidente quando Donovan afirma para um representante russo que estes têm a chance de terem “um debate diplomático e neutro que suas nações são incapazes de realizar”, assumindo a posição de que o indivíduo aqui é mais importante – ou deveria dizer, mas sábio – do que a nação inteira.

Sendo uma produção de Spielberg, é tecnicamente impecável. Seu inseparável diretor de fotografia Janusz Kaminski retorna para trazer sua forte luz, chegando a literalmente cegar o espectador em alguns momentos (especialmente a cela de Abel, onde Donovan é praticamente uma figura divina), mas no geral sendo muito eficaz ao criar uma atmosfera sombria e perigosa. A cena em que Donovan é seguido por um estranho na chuva é excelente, e a presença de Hanks só ajuda que o breve momento nos remeta diretamente a Estrada da Perdição. O design de produção de Adam Stockhausen também acerta na reconstrução de época, especialmente nas cenas ambientadas na Alemanha Oriental, salientando as péssimas condições da pós-Segunda Guerra na região, e a câmera de Spielberg valoriza todos esses ambientes com planos abertos detalhadíssimos – vale apontar ser seu primeiro trabalho com lentes anamórficas desde Hook – A Volta do Capitão Gancho.

Navegando com perfeição por um tema delicado, Ponte dos Espiões surpreende por mostrar-se um trabalho de Steven Spielberg que consegue muito bem funcionar como um thriller de espionagem inteligente, sem deixar de lado a abordagem séria que o diretor vem buscando nos últimos anos.

| A Colina Escarlate | Crítica

Posted in Cinema, Críticas de 2015, Drama, Terror with tags , , , on 14 de outubro de 2015 by Lucas Nascimento

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Corre lá pro Plano Crítico pra ver o que achei de A Colina Escarlate!

Spoiler: É chato.

http://www.planocritico.com/critica-a-colina-escarlate/

| A Travessia | Crítica

Posted in Cinema, Críticas de 2015, Drama on 6 de outubro de 2015 by Lucas Nascimento

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Passa lá no Plano Crítico pra saber o que achei de A Travessia

Spoiler: É bom demais.

http://www.planocritico.com/critica-a-travessia-2015/