Michael Keaton é Riggan Thomson, assombrado pelo fantasma de Birdman
Filmes como Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) nos fazem parar para observar o atual estado de Hollywood. Dominada por franquias multimilionárias, super-heróis e adaptações cinematográficas que visem o lucro, promovendo a fama de celebridades. Até onde tais obras são enxergadas como Arte pelos estudiosos? Qual o peso na carreira de um ator ao assumir, ou ainda por cima, abandonar uma franquia dessas? O novo filme de Alejandro G. Iñarrítu passa por essas questões, ao mesmo tempo em que
A trama assinada por Iñarrítu, Nicolás Giacobone e Alexander Dinelaris Jr & Armando Bo nos apresenta a Riggan Thomson (Michael Keaton), um ator de Hollywood que fora famoso no passado por interpretar o super-herói Birdman. Esquecido pelo público e apostando toda sua carreira e dinheiro, ele comanda e estrela uma ousada adaptação de uma peça de teatro na Broadway, tendo que lidar com atores de método (Edward Norton), sua filha recém-saída da reabilitação (Emma Stone) e seu próprio inconsciente, representado pela figura do super-herói.
Vamos tirar as obviedades do meio do caminho: Birdman é quase uma biografia não oficial do próprio Michael Keaton, sendo que o super-herói voador foi simplesmente substituído por um pássaro, mas a lembrança de seu Batman é sempre lembrada aqui, graças ao inteligente roteiro do quarteto. Esse toque de realidade aumenta muito o impacto do filme, ainda mais por trazer diversas referências a atores reais envolvidos atualmente no ramo de super-heróis (“Botaram capa nele também?”, reclama Riggan ao saber que Jeremy Renner estava em Os Vingadores ou a voz incosciente de Birdman afirmando que ele havia aberto caminho para todos os outros) e o próprio processo de criação/estudo de atores. O personagem de Edward Norton é particularmente interessante de se analisar, especialmente quando ele revela só ser capaz de ter uma ereção quando está no palco ou quando afirma que “a popularidade é a prima promíscua do prestígio”, revelando que, dentre todos ali, ele é o único realmente conhecedor do que é Arte.
O que nos traz de volta a Riggan Thomson, o ator que tenta alcançar a Arte ao mesmo tempo em que foge do esquecimento (e as batidas de relógio que dominam seu camarim são um discreto Relógio do Fim do Mundo que marca a chegada de seu grand finale) lhe proposto pela máquina de Hollywood. A performance de Keaton é intensa e ultra metalinguística, permitindo que o ator explore a vulnerabilidade (especialmente quando contracena com Norton), fraqueza e seus reais esforços para suceder – fornecendo também um trabalho vocal assustador na composição da voz interior de Birdman. Além de Keaton e Norton, Zach Galifianakis está surpreendentemente bom, Emma Stone surge intensa e carismática e Naomi Watts brilha quando a câmera lhe oferece mais espaço.
Sobre a direção de Iñarrítu, é algo completamente diferente de seus trabalhos anteriores. A fotografia suja, inquieta e granulada dá espaço a uma condução que simula um plano-sequência de 2 horas através de colagens muitíssimo bem ocultadas (e time lapses e mudanças de tempo são bem presentes, descartando a ideia de uma história em tempo real), provocando um efeito quase onírico. O diretor de fotografia Emmanuel Lubezki teve trabalho, e muito provavelmente terá seu trabalho árduo premiado com um segundo Oscar na categoria. Fico decepcionado com a ausência de Antonio Sanchez na categoria de Trilha Sonora, já que sua música primitiva e quase jazzística (só baterias e tambores aqui) traduzem todos os conflitos internos dos personagens. Só torço o nariz para os efeitos visuais que a produção emprega em alguns momentos, especialmente no voo de Riggan, que aparece assustadoramente artificial.
Birdman é uma obra inteligente e repleta de comentários ácidos sobre a indústria de Hollywood e os bastidores do mundo do teatro, explorando um impecável elenco numa narrativa guiada por uma visão de mestre de Alejandro G. Iñarrítu.