Raiva, Nojinho, Alegria, Medo e Tristeza
Ao escrever sobre Universidade Monstros em 2013, discorri sobre como a Pixar manteve uma inacreditável série de sucessos consecutivos que caiam nas graças do público e da crítica – geralmente com uma vitória no Oscar como último estágio. Sem entregar algo realmente digno de sua qualidade habitual desde Toy Story 3, em 2010, o estúdio de volta à boa forma com aquele que pode muito bem ser seu melhor trabalho: Divertida Mente.
A trama é concentrada nas emoções da jovem Riley: Alegria (Amy Poehler), Tristeza (Phyllis Smith), Nojinho (Mindy Kalling), Medo (Bill Hader) e Raiva (Lewis Black). Estas são responsáveis por controlar o humor, as memórias e a personalidade da garota, dentro de sua mente. Quando Riley enfrenta uma dura fase com uma mudança de cidade, nova escola e colegas, o grupo precisa evitar que esta sucumba a uma depressão.
Só pela premissa já é possível prever que a Pixar almeja por temas mais maduros aqui. Pete Docter (Monstros S.A. e Up: Altas Aventuras) e o co-diretor Ronaldo Del Carmen optam por uma animação com traços mais realistas e orgânicos para suas criações humanas (bem diferentes daqueles vistos em Os Incríveis, por exemplo), e o roteiro assinado por Docter, Meg LeFauve e Josh Cooley mergulha fundo na psique humana e cria um universo riquíssimo e original, onde ideias e memórias são representadas visualmente através de ilhas, labirintos e grandes desfiladeiros – trazendo à memória os trabalhos de David Lynch (como a brilhante sequência do pensamento abstrato), Tudo o que Você Sempre quis Saber sobre Sexo E tinha Medo de Perguntar (na própria representação de elementos emotivos como figuras físicas) e até A Origem (os labirintos, as grandes construções e o onírico).
Todo o sistema no qual os personagens interagem e se manifestam (até na distribuição de cores, com Raiva assumindo o vermelho e Alegria um forte tom de amarelo) funciona sem se perder na complexidade que certamente deixaria algumas crianças mais confusas. Logo na memorável primeira cena, aprendemos sem nenhuma linha de diálogo como cada emoção reveza a função na “Sala de Comando” e como os elementos inconscientes podem ser afetados por, por exemplo, a protagonista cair no sono – como o Trem do Pensamento. Também encontramos divertidas soluções dos roteiristas para fenômenos comum, tal como uma vinheta antiga que subitamente invade a memória e não sai dali ou a brilhante abordagem à produção de sonhos.
Mesmo que mais maduro do que poderíamos esperar, o filme ainda é uma aventura empolgante com emoções genuínas. É hilário quando necessita (muito se deve a um personagem colorido que prefiro deixar como surpresa) e também emocionante e catártico quando a história avança por terrenos mais complexos, de uma forma que há tempos o estúdio não era capaz de entregar. O inteligente roteiro também é ousado por manter Alegria e Tristeza juntos a maior parte do tempo, ilustrando de uma forma honesta e simples como as duas precisam uma da outra para coexistir, e não numa relação de antagonismo; residindo aí o grande trunfo da produção. E vale apontar que, depois do razoável Tomorrowland e do esquecível Jurassic World, Michael Giacchino enfim traz um grande trabalho este ano com a maravilhosa trilha sonora.
Engraçado, poderoso e completamente imaginativo, Divertida Mente representa o renascimento da Pixar de suas cinzas, finalmente recuperando seu alto posto com uma narrativa corajosa e envolvente. Ah, como é bom estar de volta…
Obs: Fique durante os créditos finais, vale muito a pena.